quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

2011, digital e HDMI

Neste último post do ano, num tom mais pessoal do que o comum, além de desejar um feliz final de ano, agradeço a todos que acompanharam o blog e, principalmente, aos amigos que colaboraram com textos, sugestões e comentários.

Significativo deste final de ano, hoje o jornal O Globo publicou em seu Segundo Caderno a seleção dos melhores de 2011 em cinema e, além dos melhores filmes, listou também as melhores mostras. Entre elas, a Retrospectiva Cinematográfica Maristela, realizada no Centro Cultural Banco do Brasil, do qual eu fui o curador.

Mas, além disso, na sessão “Apostas para 2012”, o texto do jornalista André Miranda definiu como o “desafio” para o próximo ano a digitalização das salas de cinema brasileiras, alertando como o país está “atrasado” neste processo de “modernização”.

O tema do digital foi constante no blog ao longo de 2011, inclusive por conta de outras matérias de O Globo, mas não me parece ser um fenômeno necessariamente novo. As tecnologias audiovisuais sempre foram associados, para o bem ou para o mal, ao moderno, desde o surgimento do cinema. Afinal, no Brasil do começo do século XX “cinema” e “cinematógrafo” eram palavras utilizadas como adjetivos para definir objetos e hábitos característicos de um tempo moderno, marcado pela velocidade, por inovações e mudanças de costumes. Frequentemente, “fita de cinema” significava fantástico, o surpreendente, o irreal. A partir dos anos 1950, diante do sucesso das telas amplas em comparação com a novidade dos pequenos televisores, os sufixos de “Cinerama” e “Cinemascope” passaram a estar presentes nos anúncios dos mais diferentes produtos que tentavam se vender como modernos. E isso é exatamente o que está acontecendo nos últimos tempos, com a vaga e incerta palavra “digital” e o requentado “3D”. Praticamente tudo, de ferro de passar a mata-mosquito, pode ser digital e 3D, não importando o que isso, de fato, signifique, apenas que induza a pensar esses produtos como modernos.

Isso é muito curioso quando você freqüenta as grandes lojas de eletrodomésticos. Eu já acho surpreendente que, nesses lugares, as televisões mais caras e “modernas” estão sempre ligadas e a imagens desses aparelhos, em minha opinião, são quase sempre péssimas (escuras, pixaladas, sem nitidez etc.) Mas, na verdade, importa menos como elas são, e mais o que elas dizem ser: digitais, 3D, alta-definição etc. É isso o que o consumidor geralmente procura, pois é o que a mídia, de forma geral, diz que é melhor.

Nas últimas semanas eu tenho feito uma pesquisa de preços e visitado com mais frequência essas lojas. Há uns 4 ou 5 anos, quando percebi que os aparelhos de vídeo não estavam mais sendo fabricados no país, eu comprei, numa loja Tele Rio, no centro do Rio, um dos últimos aparelhos que ainda havia no estoque (na maior parte das demais lojas não tinha mais vídeos para vender). Era um aparelho combo Samsung com entrada para VHS e DVD. Embora eu use pouco, o tocador de VHS ainda funciona perfeitamente, mas o DVD está ruim e os discos praticamente não tocam mais. Eu já tenho um aparelho Blu-Ray Sony, comprado nos EUA, que utilizo para ver Blu-Rays brasileiros e norte-americanos (que são da mesma região) e DVDs norte-americanos (Região 1), embora haja um problema que ainda não consegui resolver. Se eu coloco um DVD de um filme em formato 1,37 ou 3/4 no Blu-ray, a imagem é reproduzida na minha TV Sony 1,78 ou 16/9 nesse formato. O botão do controle remoto do televisor para alterar para o formato “normal” (3/4), que uso quando assisto à programação da TV ou a DVDs no meu combo Samsung, não funciona nesse caso... Será que isso se deve ao fato dele estar ligado por HDMI? De qualquer modo, pensei em comprar um Home Theater com DVD embutido, para poder assistir nele aos DVDs brasileiros (Região 4) que não tocam no meu Blu-Ray Sony. Esses aparelhos estão bem mais baratos, já que a maioria dos Home Theater atualmente vem com Blu-Ray.

Ontem fui numa loja da Casa Bahia e vi um modelo Philips pelo qual eu já tinha me interessado ao pesquisar na internet. O vendedor, obviamente, tentou me convencer das vantagens do aparelho listando as modernas tecnologias que ele dispunha. Com forte sotaque carioca, ele me disse: “E vem com cabo HDMI. Você sabe? Para dar aquela interpolada na imagem”.

Achei essa ótima. A próxima vez que eu for ao cinema e me deparar com uma péssima projeção digital (embora eu cada vez mais evite assistir filmes em digital), eu vou gritar para o projecionista: “Dá para dar uma interpolada na projeção!!!?”

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Reportagem sobre preservação audiovisual nos EUA

No último número da revista de cinema norte-americana Cineaste, uma matéria especial foi dedicada ao tema da preservação audiovisual com o título Film Preservation: A Critical Symposium.

Nesta reportagem foram entrevistados diversos profissionais do campo da preservação nos EUA que responderam a 5 perguntas. Fiz um pout-pourri abaixo de algumas das respostas – ou fragmentos delas – mais interessantes.


1 - Como o cenário da preservação audiovisual mudou na última década? Há um volume adequado de recursos para a área?

Alguns entrevistados disseram que devido à difícil situação da economia norte-americana, os recursos estão mais escassos, mas a maioria apontou como a situação melhorou em relação ao passado. Jan-Christopher Horak (diretor do UCLA Film and Television Archive) destacou o interesse maior dos estúdios de Hollywood na preservação de seus acervos, assim como o resultado de ações governamentais, sobretudo o estabelecimento do National Film Preservation Foundation (NFPF) em 1997.

Um problema grave foi destrinchado por Michal Pogorzelski (diretor do arquivo de filmes da Academia do Oscar). Segundo ele, os custos de restaurar um filme digitalmente são muito maiores do que a preservação ou restauração fotoquímica, resultando na diminuição do número de projetos que podem ser financiados. Além disso, os custos de restaurar um filme fotoquimicamente também estão subindo. Com a diminuição da demanda por filmes virgens com a conversão do circuito exibidor para a projeção digital, o preço de todas as películas também irá subir. Como conseqüência, menos projetos poderão ser viabilizados financeiramente.

Paolo Cherchi Usai (curador da George Eastman House) deu uma resposta mais ampla e complexa. Em sua opinião, é necessário expor a “ideologia da expertise pseudo-curatorial”, defendendo que não existe algo como “restauração de filmes” no sentido estrito do termo. Assim, o digital deu fôlego à antiga traição dos princípios da preservação, orgulhosamente declarando que as imagens do passado devem parecer como se fossem novas e que, logo, não têm História. O fato de o público fazer perguntas como “Se esta é uma restauração digital, porque há riscos no filme?” é a prova de que as coisas deram errado. Afinal, devíamos explicar o que nos levou a pensar que riscos são “maus” e que uma imagem em movimento feita há cem anos atrás deve ser rigorosamente limpa e cristalina.

Assim como Pogorzelski, Cherchi Usai tocou na questão financeira. No cenário atual, um curador pede um orçamento para uma restauração digital e recebe uma estimativa baseada no tempo necessário para “limpar” o filme versus o número de fotogramas da obra. Mas essa “limpeza” pode não ter limites – o laboratório vai até onde alguém estiver disposto a pagar.

Nas suas palavras precisas, “o curador pode recusar ou morder a isca e gastar o quanto for necessário para fazer o filme analógico parecer suficientemente digital, logo satisfazendo a necessidade de uma diferença visível entre o ‘antes’ e ‘depois’ da restauração.”

O resultado é o custo de a restauração digital poder ser muito maior do que o da restauração fotoquímica, com o arquivo sendo literalmente “chantageado” a gastar somas inacreditáveis em nome de uma inalcançável e indesejada perfeição.


2 - Quais são as escolhas e decisões principais quando se decide quais títulos são priorizados para a preservação? Quais são os fatores, tanto teóricos quanto práticos, que influem nessas decisões? Qual difícil é decidir sobre um filme em detrimento de outro?

Tanto Shawn Belston (da Fox) quanto Grover Crisp (da Sony), afirmam que os principais fatores são necessidades do mercado (lançamento em DVD ou Blu-ray, por exemplo) e condições físicas do elemento, assim como a significação artística ou cultural do título, priorizando a diversidade do acervo.

Conforme Annete Melville (diretora do NFPF), o dever do governo é ajudar organizações públicas e sem fins lucrativos a salvar filmes que dificilmente sobreviveriam sem apoio público.

Na coleção de filmes do Museum of Modern Art (MoMA) a decisão sobre quais filmes priorizar é tomada em conjunto, por um grupo formado pelo curador-chefe, o curador de acesso e empréstimos, o conservador-chefe, pelo setor da filmoteca de cópias de exibição e pela diretora, Katie Trainor.

Cherchi Usai diz que na teoria a prioridade deveria ser sempre dada aos elementos únicos e mais antigos da coleção, mas que isso raramente ocorre na realidade: “Arquivos preservam o que os mantenedores (sejam públicos ou privados) querem que eles preservem com seu dinheiro”. Como resume Daniel Wagner (do setor de iniciativas digitais da George Eastman House), “a força motora por trás dos projetos de preservação é dinheiro. [...] Os filmes preservados são respostas pro-ativas às agências de financiamento”.


3 - Você acha que há determinados filmes/eras/ modos de filmagem que estão sendo esquecidos pela preservação? Se você é responsável por um arquivo, como está tentando fortalecer e diversificar sua coleção através de aquisições e trabalhos de preservação de obras que não estão sob a sua guarda?

É interessante que essa pergunta teve as respostas mais diversas.

Para Margaret Bodde (da The Film Foundation) e Pogorzelski, os filmes da avant-garde são os que receberam menos ações de preservação, enquanto na opinião de Dennis Doros e Amy Heller (da Milestone Film & Vídeo), seria o cinema americano independente do pós-guerra.

Já para Annette Melville, o mais vulnerável é o cinema de não-ficção, principalmente dos primeiros anos do cinema, como documentários e atualidades silenciosas.

As demais respostas se voltaram para o vídeo, televisão e digital.

Conforme Daniel Wagner, as obras mais ameaçadas são as produzidas pela primeira e segunda geração de vídeo-artistas, enquanto Horak foi enfático: “O meio enfrentando o maior risco é o vídeo e a televisão, uma vez que virtualmente não há nenhum financiamento público para as incontáveis horas de televisão aberta, TV independente, documentários de ativismo político, e noticiários de emissoras regionais produzidos do final dos anos 1960 até os anos 1990”.

Por fim, para Shawn Belsont, os primeiros anos do filme e da finalização digital são os mais ameaçados, enquanto Usai defende que todas as obras produzidas digitalmente estão em risco.


4 - Como a revolução digital impactou a preservação audiovisual? Transferir um filme para o digital pode ser qualificado como preservação? Qual difícil está se tornando encontrar laboratórios e técnicos com experiência em trabalhos fotoquímicos? Quais são as dimensões positivas da revolução digital para o campo? Que esforços estão sendo tomados para arquivar, transferir e preservar obras produzidas em vídeo?

Compreensivelmente, poucos entrevistados fugiram das respostas tradicionais que já conhecemos, de que o filme é mais confiável e seguro do que o digital, pois este não tem padrões e sofre da devastadora obsolescência tecnológica etc. Por outro lado, o digital é uma excelente ferramenta para restauração e promoção de acesso. Sinceramente, o blá blá blá de sempre...


5 - Como você aborda a questão preservação versus acesso? Essas metas são difíceis de equilibrar? Como você caracterizaria a relação entre seu trabalho de preservação e a exibição em salas de repertório, lançamentos em vídeo e disponibilização de filmes na internet?

A maioria dos entrevistados se resumiu a dizer que acesso e preservação devem andar juntos, mas houve algumas informações e colocações interessantes. A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, por exemplo, empresta cópias de seu acervo gratuitamente e o acesso aos filmes no próprio arquivo também é de graça. Mas Pogorzelski, diretor do arquivo, ressalta que com a transformação das cópias em objetos únicos, as películas deverão ser submetidas a condições de transporte e projeção muito severas: “Apenas exibidores que possam demonstrar sua vigilância e cuidado no manuseio seguro das cópias vão poder acessa-las nos arquivos no futuro”.

Na visão de Doros e Heller, sócios da distribuidora Milestone, as cinematecas tendem a ver a distribuição de filmes de arquivos – algo fundamental para o acesso de suas coleções – como a) mera comercialização impensável para um museu ou arquivo ou b) algo muito além da sua capacidade com seu corpo reduzido de funcionários. Para eles, o relacionamento dos arquivos com as distribuidoras dever ser uma relação comercial como é feita com a livraria ou o café, ou seja, baseada em compromissos e planos.

Cherchi Usai, como sempre, fez comentários curiosos: “Imagens em movimento são como a população mundial – na ausência de um projeto de governo, elas vão eventualmente encontrar um mecanismo para regular seu próprio ambiente, independentemente das nossas intenções. Não há nada apocalíptico nisso. Nós devemos, na verdade, tomar isso como uma boa notícia, tanto para o meio-ambiente quanto para a ética da visão”.


Agradeço ao João Luiz Vieira o empréstimo da revista. Aliás, no site de Cineaste, há uma continuiação desta reportagem.